Num dia comum, numa conversa
despretensiosa, uma conhecida minha passou a narrar uma história que me parecia
irreal.
Trabalhava numa empresa
realizando serviços externos e normalmente fazia seus horários de almoço em
casa. Logo após a refeição que deveria ser realizada rapidamente, seu marido
exigia sexo, diariamente, no horário do
almoço.
O fazia independente da vontade
dela e a dizia que trabalhava na rua o dia todo, que ele faria sexo com ela,
para que esta não tivesse vontade de ter relações sexuais com desconhecidos na
rua. Essa conhecida que era uma mulher até então comum, que gostava de sexo
desenvolveu repulsa ao seu esposo e ao ato sexual, ainda hoje, não conseguiu se
divorciar por questões religiosas e tem medo de deixar a filha com o pai, sozinhos,
visto o comportamento sexual agressivo deste.
Me recordei que em outra
situação, uma moça me relatara que devia manter relações sexuais com seu esposo
em dias e horas pré determinadas, independente do interesse sexual que ela
tinha e mesmo quando o casal tivesse discutido. Necessariamente, naqueles dias,
independente de qualquer coisa, deveria haver sexo.
Passei então a refletir sobre o
assunto. E descobri o Estupro é um crime recorrente, diário e que faz milhares
de vítimas em nosso país diariamente. De forma ainda mais velada e sem sombra
de dúvidas mais intensa, o Estupro acontece dentro das famílias em relações
conjugais.
Conceituando estupro, podemos
entender como ato sexual (conjunção carnal ou ato libidinoso) não permitida,
feita mediante coação, violência ou grave ameaça. O Estupro Marital é aquele
realizado dentro da relação conjugal.
O Estupro dentro ou fora da
relação conjugal é considerado crime no Brasil. Apesar de só ser criminalizado,
nestas condições em apenas 52 países no mundo inteiro. Recordamos que somente
em 2009 o Crime de Estupro no Brasil, deixou de ser considerado um crime contra a a honra e
dignidade da família e passou a ser
considerado um crime contra a
dignidade sexual. A ONU somente em 1993 passou a considera o Estupro Marital,
como ato atentatório a dignidade humana e tal conduta só fora criminalizada
definitivamente no Brasil, com a edição da Lei Maria da Penha, em 2006.
O atraso do legislador ao
tipificar a conduta, só retrata um lento movimento social, que ainda tem um
longo caminho a ser percorrido. Mulheres servis, que em tudo devem agradar aos
seus esposos, cuja educação e formação se deram para entenderem como agradar um
homem e ter uma boa família. São preceitos religiosos e culturais que estiveram
e estão presentes na sociedade. Como poderia a mulher servil ter opinião e não
querer ter sexo com o próprio marido na hora em que ele julgar conveniente?
Para este pensamento da mulher feita para agradar ao seu homem, uma oposição
desta jamais seria possível. Nestes casos, de falta de desejo sexual por parte
da mulher, esta seria considerada frígida e desinteressante.
Este estigma da mulher que vive
em torno de seu homem, acontece no mundo todo e tem raízes mais profundas em
culturas fundamentalistas como a islâmica. Não reflete tão somente na relação
conjugal sexual, mas em exatamente todas as relações sociais. Na moda, por
exemplo, vemos mulheres se mutilando na China para terem pés pequenos e
tornarem-se mais atraentes.
A cultura masculina do sexo a
todo custo e de prazer no sexo sem consentimento, infelizmente é real, existe e
está escancarada. A posição de dominação trazida pelo ato sexual sem
consentimento, parece massagear o ego masculino doentio. Me assustei, quando
comecei a realizar pesquisa sobre o assunto e simplesmente digitei em meu
buscador, estupro marital. Inúmeras vídeos e contos sexuais, foram carregados,
sobre o título “Estuprador faz isso e
aquilo”, numa simples busca pude perceber que no mercado da pornografia na
internet, ser estuprador é um adjetivo infinitamente positivo. Em pensar que
inúmeras pessoas ditas de bem, consomem pornografias deste tipo diariamente.
Não há meio termo, relação sexual
ou qualquer ato libidinoso, sem consentimento, é sim estupro. Faz-se necessário
conversar, discutir e esclarecer, tais situações são recorrentes em nossa
sociedade. Tendo em vista que em grande parte das vezes, nossas vítimas, sequer
sabem que são vítimas, já que foram forçadas a acreditar que sempre devem estar
preparadas para agradar aos seu esposo, que este seria um requisito necessário
para serem boas mulheres.
Enfim, apesar do contrassenso os
homens de “bem” que pagam seus impostos em dia, trabalham e “colaboram para o
crescimento deste país”, são os mesmos que estupram diariamente suas esposas,
no seio de suas famílias. Curiosamente, muitas das vezes, levantam suas vozes
para pedir pena de morte, àqueles que
são presos e julgados pela prática de crimes!!!
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